14 julho, 2009

Seu rosto nega seus trinta e dois anos e sua incessante indecisão. Apresenta-se sóbria e morna. A verdade é que passou a vida apresentando-se tudo o que não era, ou nem mesmo poderia ser. Vivia se perguntando quem era afinal, ou quem fora e o que fizera até então de sua própria vida. Faria o que fosse possível pra encontrar-se ruga por ruga, sinal por sinal. Quando casou-se cedo perdeu-se entre os cômodos da casa nova até achar-se novamente, por incrível que pareça, na manhã de um domingo enquanto temperava o feijão. Daí saiu de malas na mão pra onde fosse o ônibus de cores mais vivas e bem dispostas da rodoviária. Onde exatamente encontraria seu novo casamento de dois anos. Dois anos esses inteiramente diferentes dos sete passados. Ápices de efervescência num grande vazio maquiado de muitas promissões. Até saber que tinha sido trocada por outra exatamente, sete anos mais nova. Saiu dessa vez, sem malas, chegou no bar do centro da cidade. Sentou à mesa da direita enconstada na parede, fumou quatro cigarros seguidos e pediu uma dose de cointreau. Observou as luzes coloridas do local, calmamente, até perceber que sempre lhe vinha uma imagem amedrontadora da situação em que encontrava-se, ou simplesmente "não encontrava-se." E então esquecia que observava as luzes e escolhia outro ponto para fixar o olhar. Até que parou o olhar numa mulher que, também sozinha, sentava-se a três mesas e falava atônita ao celular. Era bonita, tinha os lábios grossos e a pele alva. Ela falava como quem espera, como quem espera rápido. Agora. E esperava. "Não acredito!" e ria, ria que os olhos comprimiam-se e ficavam bem pequenos pra que o tamanho da boca se modelasse ao formato do rosto. E depois subia o olhar e deixava a boca semi-aberta como se tivesse a certeza que iria rir novamente logo em breve. "Se você não aparecer em vinte e seis minutos eu tomo a porta da rua" e gargalhava. De repente sua boca foi fechando, quase que impercebível, os olhos aumentavam-se e ela não mais ria, as rugas laterais foram desparecendo. Ela diminuiu o rítimo, permaneceu quieta e só respondia palavras curtas. E apartir de então, era como se seu rosto fosse coberto por uma película que o deixasse uniforme. Afastou o celular do ouvido, colocou-o na mesa e baixou o rosto.
De repente, percebeu-se completamente submersa ao universo da mulher sentada à três mesas. Voltou a si, pediu dessa vez uma dose de conhaque barato e pegou um cigarro. Continuou a olhá-la. A mulher continuava cabisbaixa até que então, por sentir o cheiro, olhou ao lado e deu de frente com um olhar que, inicialmente diligente a si, recuou-se tímido. A mulher levantou-se e foi de encontro a ela que a observava. E antes que ela pudesse falar algo ou estruturar alguma forma de desculpas pela sutil intromissão "tens um cigarro?". Impressionou-se com a maneira intensamente humilde que ela lhe rendeu, não pelas palavras nem pelo tom, mas simplesmente pela expressão facial que mostrou um ato de redimir-se por causa nenhuma, ou algo como vou lhe acompanhar, afinal estamos no mesmo barco. Então cuidadosamente, abriu sua bolsa e pegou na carteira já um pouco amassada um dos seis cigarros que restavam.

- Posso sentar?
- Claro.



- Como se chama?
- Tereza.  Falou bebendo o último gole do conhaque  Era seu namorado?
- O quê?
- Digo, era seu namorado?
- Não entendi.
- No telefone... é que
- É.
- Me desculpe novamente a intromissão...



Como se chama?
- Jô... Joana
- É que você parecia estar feliz e de repente se perdeu. E pra falar a verdade, eu entendo bem essas coisas de se perder. Eu preciso tomar uma decisão, sabe, ainda hoje.
- Ele viajou. Ele sempre viaja.




Não que eu não esteja acostumada com isso tudo sabe, mas é que dessa vez... Dessa vez eu não o vejo já faz dois meses. E eu esperava por hoje cada dia desses dois meses.


- Às vezes eu penso que falta espaço. Espaço dentro da gente. O ato de implodir-se é uma das coisas que mais nos desgasta.
- A bebida alarga um pouco (risos) quero um desses, o que era?
- Não que alargue, ela dá a impressão que alarga. Não só a gente, mas os caminhos. Ai, os caminhos...
- Não me fale em caminhos... O que era?
- O quê?
- Que você bebia.
- Ah, era conhaque.
- Moço, um conhaque por favor!  virando um pouco seu olhar para o balcão.




- Você tem quantos anos, Tereza?
- Trinta e dois.


E você?
- Vinte e seis. Seu rosto nega seus trinta e dois anos... sua indecisão também.
- Indecisão? Como você sabe de minha indecisão?
- Você falou.
- Falei?
- Falou.
- Não lembro...







Tereza pegou um cigarro, acendeu às pressas e soltou a fumaça fundo.

- É trabalho dele?
- Heim?
- Do seu namorado.
- Ah, é... ele vive legendando esses empresários de merda pelo mundo. (risos) Ele é intérprete. Depois que foi trabalhar pra essa empresa, só deu nisso...



E o que você vai fazer?
- O que eu vou fazer pra que?
- Pra decidir-se.
















- Acho que eu vou embora, dessa vez pra mais longe...  falou quase que divagando. Ou então dobro a esquina mesmo, e continuo. E você?
- Eu o quê?
- Vai decidir o que?
- Eu não tenho nada pra decidir... Quem tinha era você.




- E o que você acha que eu devo fazer?
- Eu?
- É.
- Eu não sei.



- É que... será que... você poderia perguntar pra seu namorado?
- Perguntar? O quê?
- O que ele acha que eu devo fazer.
- Pro meu namorado?
- É.
- Por que?
- Porque ele entende mais de caminhos. E sabe, a verdade é que eu to precisando mesmo me achar.










- É que eu não queria falar mais com ele hoje, entende?
- Não precisa falar, basta perguntar o que eu devo fazer...
- Mas aí eu já estaria falando.
- Quem sabe você também não se acha...
- Eu não tô precisando me achar, quem tá precisando é você!
- Você que pensa.
- O que você quer dizer com isso?
- Eu não quero dizer nada, olha só, por favor. Minha vida tá dependendo disso aí...
- Você me assusta  Falou bebendo o último gole do conhaque e pegando o celular.
Tereza a observava anciosa, já estava um pouco tonta, mas tinha a certeza de que em alguns instantes caberia a ela tomar a decisão. O celular chamava e chamava e nenhum sinal era dado.




- Caiu na caixa postal. Acho que ele tá trabalhando agora.
Tereza sorriu.
- É isso então. Decido no táxi.


Falando nisso, já vou indo. É tarde.
-É, também vou.


Pagaram a conta e despediram-se com um abraço. Joana saiu andando devegar pra que pudesse ver que direção Tereza tomara. De repente seu celular tocou.

- Meu bem, você ligou? eu tava no meio de uma reunião. Acabei agora, tenho novidades!
- É... conheci uma mulher que
- Amor, consegui finalmente ficar naquela outra empresa fixa! Agora não vou mais precisa viajar, vou morar aqui, e você vem comigo!






Jô?




- É?
Joana ficou perplexa.
- Pois é, você não imagina o quanto eu tô feliz. Mas vá, diga, uma mulher o quê?
Então olhou pra trás e percebeu que não havia mais ninguém na rua.
- Não, deixa pra lá. Quando você vem?
- O mais rápido possível meu amor, até o fim dessa semana estou chegando. Ai que saudade, Jô...
- Pois é meu amor. Também estou. Se eu tivesse de ir pra bem longe ou dobrar a esquina e continuar, o que você acha que eu deveria fazer?
- Heim?
- Caso eu tivesse de ir pra bem longe ou dobrar a esquina e continuar, o que você acha que eu deveria fazer?

3 comentários:

Junior disse...

mermão!! esse dialogo rápido é de deixar doido =D

ótimo texto!

Daros disse...

Muito bom! :D

Anônimo disse...

ótimo. ;D