Preciso ser mais leve
Assim como pena
Que se descola do bicho e voa
Mas colaram meus pés no chão
As mãos estão atadas pelo cansaço
Aprisionaram meu pensamento
Calaram meu vômito
Domesticaram minha felicidade (...)
Esperança é última que morre
Tenho um amor.
Momo - Preciso ser pedra
03 agosto, 2010
26 abril, 2010
19 abril, 2010
Tereza e Laura - (reeditado)
O rosto de Tereza não aparenta seus trinta e dois anos, nem sua mania de indecisão. Tereza sempre tentou ser cuidadosa com as coisas e com ela, falava com leveza e mostrava-se sempre sóbria e pacífica, ainda que dentro dela houvesse alguma espécie de veemência. A verdade é que passou a vida apresentando-se tudo o que não era, ou nem mesmo poderia ser. Vivia se perguntando quem era afinal, ou quem fora e o que fizera até então de sua própria vida. Faria o que fosse possível pra encontrar-se ruga por ruga, sinal por sinal. Quando casou-se cedo, perdeu-se entre os cômodos da casa nova até achar-se novamente, por incrível que pareça, na manhã de um domingo enquanto temperava o feijão. Daí saiu de malas na mão pra rodoviária, e então formulou que entraria em qualquer ônibus que tivesse cores vivas e bem dispostas. Tal eventualidade a levou encontrar seu novo casamento de dois anos. Dois anos esses inteiramente diferentes dos sete passados. Ápices de efervescência num grande vazio maquiado de muitas promissões. Por conseguinte, descobriu que havia sido trocada por outra mulher, exatamente sete anos mais nova. Saiu dessa vez, sem malas, chegou em um bar do centro da cidade. Sentou à mesa da direita encostada na parede, fumou quatro cigarros seguidos e pediu uma dose de conhaque barato. Observou as luzes do local, uma por uma, até perceber que de quando em quando lhe vinha uma certa sensação amedrontadora da situação em que encontrava-se – ou não encontrava-se –, seguida de um frio que percorria todos os seus órgãos internos. E então esquecia que observava as luzes e escolhia outro ponto para fixar o olhar. Até que parou o olhar em uma mulher que, também sozinha, sentava-se a três mesas dela e falava atônita ao celular. Ela era bonita, pertencia a um padrão mais exótico, tinha os lábios visivelmente grossos e a pele branca. Tereza percebia que ela falava e se movimentava como quem esperava, e como quem esperava rápido. Agora. E esperava. "Não acredito!" e ria, ria que os olhos comprimiam-se e ficavam bem pequenos pra que o tamanho da boca se modelasse ao formato do rosto. E então subia o olhar e deixava a boca semi-aberta com ar de riso, como se tivesse a certeza que iria rir novamente logo em breve. "Se você não aparecer em vinte e cinco minutos eu tomo a porta da rua" e gargalhava. Até que passou-se alguns minutos e, lentamente, sua boca foi se fechando e os olhos ficando mais rígidos. E ela não mais ria. Ela diminuiu o rítimo, permaneceu quieta e passou a só responder palavras curtas, de uma forma que não eram mais possível ouví-las. E apartir de então, foi como se seu rosto fosse coberto por uma película que o deixasse uniforme. Ilegível. Afastou o celular do ouvido, colocou-o na mesa e baixou um pouco o rosto. Tereza voltou a si, pediu outra dose e acendeu mais um cigarro. Continuou a olhá-la. A mulher continuava cabisbaixa, até que então, por sentir o cheiro do cigarro de Tereza, voltou-se em direção a ela, e deu de frente com um olhar que, diligente a si, recuou-se tímido. A mulher então levantou-se, e para o espanto de Tereza, veio de encontro a ela. E antes que ela pudesse falar algo, a mulher lhe abriu um pequeno sorriso simpático e pediu um de seus cigarros. Tereza abriu sua bolsa, cuidadosamente, e pegou na carteira já um pouco amassada um dos seis cigarros que restavam.
- Posso sentar?
- Claro.- Posso sentar?
- Como se chama?
- Tereza. Falou bebendo o último gole do conhaque Era seu namorado?
- O quê?
- Era seu namorado?
- Não entendi.
- No telefone... Ai, desculpa. É que tava dando pra ouvir você conversar. E eu poderia ter buscado uma distração, mas não consegui.
- É...
- Ai me desculpe viu, de verdade, esquece meu intrometimento. É que tô tentando prestar atenção em qualquer coisa que não seja minha vida... Como você se chama?
- Laura.
- É que você parecia estar feliz e de repente se perdeu. E pra falar a verdade, eu entendo bem essas coisas de se perder. Eu preciso tomar uma decisão sabe, ainda hoje.
- Ele viajou. Ele sempre viaja... Não que eu não esteja acostumada com isso tudo sabe, mas é que dessa vez... Dessa vez eu não o vejo já faz quatro meses. E eu esperava por hoje cada dia desses dois meses.
- Às vezes eu penso que falta espaço. Espaço dentro da gente. O ato de implodir-se é uma das coisas que mais nos desgasta.
- A bebida alarga um pouco. (risos) Quero um desse, o que era?
- Não que alargue, ela dá a impressão que alarga. Não só a gente, mas os caminhos. Ai, os caminhos...
Não me fale em caminhos... O que era?
- O quê?
- Que você bebia.
- Ah, era conhaque.
- Moço, um conhaque por favor!
- Você tem quantos anos, Tereza?
- Trinta e dois... E você?
- Vinte e seis. Seu rosto nega seus trinta e dois anos... Sua indecisão também.
- Indecisão? Que indecisão?
- Você falou...
- Falei?
- Falou.
- Não lembro... Tereza pegou um cigarro, acendeu às pressas e soltou a fumaça fundo.
- É trabalho dele?
- Heim?
- Do seu namorado.
- Ah, é... ele vive legendando esses empresários de merda pelo mundo. (risos) Ele é intérprete. Depois que foi trabalhar pra essa empresa, só deu nisso... Mas então, o que você vai fazer?
- O que eu vou fazer pra que?
- Pra decidir-se.
- Acho que eu vou embora, dessa vez pra mais longe... falou quase que divagando Ou então dobro a esquina mesmo, e continuo. E você?
- Eu o quê?
- Vai decidir o que?
- Eu não tenho nada pra decidir. Quem tinha era você...
- E o que você acha que eu devo fazer?
- Eu?
- É.
- Eu não sei.
- Você poderia perguntar pra o seu namorado?
- Perguntar? O quê?
- O que ele acha que eu devo fazer...
- Pro meu namorado?
- É.
- Por que?
- Porque ele entende mais de caminhos. E assim, a verdade é que eu to precisando mesmo me achar.
Laura olhou pra tereza com olhos reservados e esboçou um sorriso de estranhamento.
- É que eu não queria falar mais com ele hoje, entende?
- Não precisa falar, basta perguntar o que eu devo fazer...
- Mas aí eu já estaria falando.
- Quem sabe você também não se acha...
- Eu não tô precisando me achar, quem tá precisando é você!
- Você que pensa.
- O que você quer dizer com isso?
- Eu não quero dizer nada. Olha só, por favor, minha vida tá dependendo disso aí...
- Você me assusta... Falou bebendo o último gole do conhaque e pegando o celular.
Tereza a observava anciosa, já estava um pouco tonta, mas tinha a certeza de que em alguns instantes caberia a ela tomar a decisão. O celular chamava e chamava e nenhum sinal era dado.
- Caiu na caixa postal. Acho que ele tá trabalhando agora.
Tereza sorriu.
- É isso então. Decido no táxi. Falando nisso, já vou indo. É tarde...
- É, também vou.
Pagaram a conta e despediram-se com um abraço. Laura saiu andando devegar pra que pudesse ver que direção Tereza tomara. De repente seu celular tocou.
- Meu bem, você ligou? eu tava em uma reunião. Acabei agora... e tenho novidades!
- É... foi... conheci uma mulher que
- Amor, consegui finalmente ficar naquela outra empresa fixa! Agora não vou mais precisa viajar, vou vim morar aqui! E você vem comigo!
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, perplexa.
- Meu amor?...
- É?
- Pois é, você não imagina o quanto eu tô feliz, meu amor. Mas diga, uma mulher o quê que você disse?
Laura olhou pra trás e percebeu que não havia mais ninguém na rua.
- Não, deixa pra lá. Quando você vem?
- O mais rápido possível meu amor, até o fim dessa semana estou chegando. Ai que saudade de você, Laurinha...
- Pois é meu amor. Também estou... Olha só, se eu tivesse de escolher ir embora pra bem longe ou dobrar a esquina e continuar, o que você acha que eu deveria fazer?
- Como?
- Caso eu tivesse de ir pra bem longe ou dobrar a esquina e continuar, o que você acha que eu deveria fazer?
08 abril, 2010
07 abril, 2010
19 março, 2010
18 março, 2010
Porque havia o sufocamento daquela espécie de patético simulacro de fantasia matrimonial provisória, a dificuldade de manter um clima feito linha esticada, segura para não arrebentar de súbito, precipitando o equilibrista no vazio mortal. Cheio de carinho, remexeu no doce, sem empurrar o prato. Preferia a fome: só isso. Pelo longo vício da própria fome — e seria um erro, porque saciar a fome poderia trazer, digamos, mais conforto? — ou de pura preguiça de ter que reformular-se inteiro para enfrentar o que chamam de amor, e de repente não tinha gosto?